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Em desenvolvimento, mas caro

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Atualizado: 

13/10/2017
Marilena Lazzarini e Lisa Gunn

Nos últimos anos lemos e ouvimos que o Brasil deixou de ser um país subdesenvolvido e entrou no seleto grupo das economias mais importantes do planeta. Cerca de 30 milhões de brasileiros já são tratados por inúmeras empresas como os “novos consumidores”. Mas quando entramos num patamar de quase igualdade com as maiores economias, é natural que olhemos com mais atenção para a qualidade e para o preço dos bens e serviços oferecidos por aqui e em outros países. E é aí que notamos o quanto ainda temos de caminhar.

Comparando o preço dos serviços mais triviais, o Brasil se mostra um país caro. Matérias publicadas na imprensa ou pesquisas de entidades de defesa do consumidor como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e Procon mostram que mesmo listas de material escolar, tarifas de metrô e ônibus, táxi, cinema ou até uma refeição podem custar mais caro aqui que no resto do mundo. Por exemplo, matéria publicada em 16/01 neste Estado dizia que comer em um restaurante mediano em Paris – a capital mundial da gastronomia – custa entre R$ 28 e R$ 33, quase o mesmo que aqui. Poderíamos multiplicar os exemplos.

Na energia elétrica, segundo um estudo encomendado pela Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia), publicado em fevereiro do ano passado, temos um megawatt-hora (MWh) mais caro que no Canadá, EUA, Noruega, França e México. O valor do MWh daqui (US$ 184 para os consumidores residenciais) só perdia para o preço praticado na Alemanha (US$ 212) entre os países pesquisados.
Para piorar ainda mais, há a cobrança de R$ 1 bilhão a mais, entre 2002 e 2009, por um erro na metodologia dos reajustes das tarifas. O consumidor pagou a conta, as distribuidoras embolsaram a quantia e a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) reconheceu o equívoco, mas não quer ressarcir o consumidor.

Tributos e taxas são quase metade da conta, mas a qualidade dos serviços de distribuição também é sofrível. Eletropaulo e Light foram cobradas pelos governos dos respectivos estados e uma delas (Light) chegou a ser multada pela Aneel por serviços mau prestados.

Nas telecomunicações é a mesma coisa. Em 2009, estudo da UIT (União Internacional de Telecomunicações) mostrou que a telefonia celular consome 7,5% da nossa renda média, deixando o Brasil na 114ª posição entre 150 países. O argentino gasta 2,5% e os que moram em Hong Kong, Cingapura e Dinamarca gastam 0,1%. A telefonia fixa é mais barata, mas ainda deixou o país no 113º lugar. O mesmo estudo mostrou que a internet banda larga consome 9,6% do ganho mensal médio do brasileiro; nos EUA o gasto é de 0,4% e no Canadá e na Suíça gasta-se 0,6%. Inúmeras pesquisas do Idec têm revelado o alto preço e baixa qualidade nos serviços de telecomunicações.

Não basta dizer que os encargos trabalhistas são os únicos responsáveis por isso. As comparações consideram países onde custo da mão de obra é ainda maior que aqui.

Qual a saída para isso? Não é fácil, mas deve ser enfrentada. Cabe à iniciativa privada ganhar em produtividade e competitividade para oferecer produtos e serviços a preços mais justos. Cabe ao governo rever a estrutura tributária, investir em infraestrutura e melhorar a regulação do mercado. E avançar em políticas capazes de induzir o mercado a sair de uma zona de conforto – o PNBL (Plano Nacional de Banda Larga) é um exemplo.

O Código de Defesa do Consumidor completa 20 anos de vigência em março e permitiu conquistas enormes. Já temos inúmeros Procons e um órgão que coordena o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), que é o DPDC-MJ (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça). Mas é preciso mais. Diante do crescimento da economia, os órgãos do SNDC que quase só conseguem atuar a posteriori, ficarão mais sobrecarregados.
Apresentamos nas últimas eleições presidenciais uma Plataforma dos Consumidores, à qual a presidente Dilma Rousseff aderiu, na qual pedimos o fortalecimento da estrutura do Estado para a proteção do consumidor, a articulação entre as agências e órgãos reguladores e o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, apoio à criação de órgãos municipais de defesa do consumidor e ao fortalecimento das entidades civis, bem como a implantação da educação para o consumo nos ensinos fundamental e médio, como previsto nos parâmetros curriculares do Ministério da Educação.

Há outros pontos importantes, a respeito dos quais também cobraremos ações do governo. O que não pode continuar a acontecer é o que vem ocorrendo nesses últimos anos: para garantir o dinamismo de nossa economia, o principal financiador tem sido o consumidor.

 

Marilena Lazzarini, engenheira agrônoma, fundadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), é membro do atual Conselho Diretor do Idec e da Consumers International.
Lisa Gunn, socióloga e mestre em ciência ambiental, é coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (www.idec.org.br)

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