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Regulação com participação popular: a peça que falta nas telecomunicações

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Atualizado: 

13/10/2017
Guilherme Varella
Um diagnóstico objetivo sobre a prestação dos serviços de telecomunicações no país inevitavelmente apontará clara insuficiência na observância dos direitos dos consumidores no setor. Fato lamentável, na infeliz contramão das comemorações dos 20 anos Código de Defesa do Consumidor (CDC), lei avançada e importante para o exercício da cidadania. “privilégio”, porém, que é dividido com outros segmentos, como o de planos de saúde e de serviços financeiros, notadamente os bancários. 
 
O diagnóstico se baseia nos índices de reclamações dos consumidores, ou seja, na essencial opinião de quem consome os serviços. Em Telecom, basicamente, os serviços de telefonia fixa e móvel, internet banda larga e TV por assinatura. Em pesquisa recentemente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), esses serviços correspondem a 19,48% das reclamações advindas dos usuários.  Junto com saúde e bancos, esse número vai a 55%, mais da metade de todas as reclamações dos consumidores.
 
Esse segmento, das telecomunicações, é composto de grandes empresas, fundidas através de vultosos capitais nacionais e internacionais, que cada vez mais concentram o mercado e expandem sua oferta de serviços, produtos e sua ocupação territorial. Com a convergência tecnológica – a possibilidade de prestação de diversos serviços de voz, dados e imagem através de uma mesma plataforma -, uma mesma empresa pode oferecer vários serviços, de forma conjunta, bem como usar a estrutura que possui para um serviço para disponibilizar outro, por exemplo, sua rede de telefonia fixa para oferecer internet. Isso é um dado do mercado de telecomunicações. 
 
Juntando essas peças: convergência tecnológica, mercado altamente concentrado - na telefonia fixa, por exemplo, em 2008, as duas maiores operadoras dominam cerca de 86% dele -, legislação de proteção dos usuários já existente – o aniversariante CDC – e alto índice de incessantes reclamações desses mesmos usuários (já que o ranking se mantém em 2007, 2008, 2009), parece que falta alguma peça que complete esse tabuleiro. 
 
Uma peça que estimule a competição, que fomente a universalização dos serviços, com qualidade e acessibilidade, e que, ao mesmo tempo, defenda o consumidor. Esse papel cumpre ao Estado. Na relação com o mercado, esse papel cumpre às agências reguladoras. No segmento tratado, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). E a peça, então, que falta tem o nome de “regulação”. Mas uma regulação que faça sentido nesse contexto. 
 
Para isso, é necessário que  Anatel reveja seu modelo regulatório, levando em conta, portanto, dois pilares essenciais: a nova configuração tecnológica e de mercado, num cenário de convergência; e a participação direta, efetiva e ampla dos principais interessados nos serviços e na própria regulação: o consumidor. 
 
Para a primeira “reforma”, é preciso que se corrijam problemas como o anacronismo institucional e normativo da Agência. A estrutura institucional da Anatel é a mesma de 1997, quando foi criada pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei n. 9.472), e mantém a resolução das demandas e os departamentos divididos por serviços (telefonia fixa, telefonia móvel, banda larga, TV por assinatura, etc). Algo que conflita com configuração atual do mercado, convergente e tecnologicamente dinâmico, proporcionando a existência de falhas nos mecanismos regulatórios, lacunas na observância dos direitos dos usuários e lapsos na formulação de critérios e fiscalização dos serviços.
 
Essa discrepância é igualmente sentida no arranjo normativo do modelo vigente. A disciplina estanque dos serviços, além de ser insuficiente para abranger a complexidade que a convergência demanda, traz fragilidade normativa e insegurança jurídica, especialmente àquele que é parte vulnerável na relação, que é o consumidor. Exemplo disso está na regulamentação da banda larga, que segue a Resolução do Serviço Móvel Pessoal, na modalidade móvel, mas se orienta pelo Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia,  quando na modalidade fixa. Algo que, na prática e na essência, configura-se como o mesmo serviço, o de internet banda larga. 
 
O outro pilar essencial para a estruturação de um modelo regulatório mais eficiente é a criação de mecanismos funcionais e efetivos de participação dos consumidores. Medida imprescindível e justa, se considerarmos que eles são o alvo das discrepâncias do modelo atual, em suas manifestações cotidianas: a falta de critérios transparentes e padrões a serem observados no mercado; a ausência de fiscalização e punição eficaz contra empresas infringentes dos direitos dos usuários; as práticas ilegais, como a fidelização, a venda casada de serviços e a publicidade enganosa – reiterada, por exemplo, na oferta de velocidade de banda larga; o atendimento de má-qualidade; e a sonegação de informações. Essas são as causas das reclamações dos consumidores, que devem participar diretamente dos processos formulativos e decisórios.
 
Isso se dá primeiramente através da equiparação das oportunidades de participação dos consumidores em relação aos fornecedores dos serviços. A dissolução das assimetrias técnicas, de informação e de linguagem trará as condições objetivas para isso. Condutas pragmáticas, nesse sentido, podem ser as consultas e audiências públicas em termos mais acessíveis, com prazos razoáveis, menos burocratizadas, em linguagem compreensível, levadas à população através de instâncias mais facilitadas de participação. 
 
A isso se somam a cooperação da Anatel com outros órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e da Concorrência e a implementação de uma agenda regulatória clara, com procedimentos, prazos e temas estabelecidos de maneira uniforme. Tais medidas, se adotadas, representarão mecanismos concretos de controle social.

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