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Por onde o PCC entra no transporte público

Há décadas se ouve falar sobre a caixa-preta dos transportes e cartéis no transporte público Brasil afora. É importante pensar o que permite e perpetua situações como essa. Para essa questão temos três respostas: falta de transparência, modelo equivocado de remuneração das empresas e negligência e letargia da Prefeitura em trabalhar pelo interesse público.

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Atualizado: 

06/05/2024
Aline Leite, pesquisadora de Mobilidade Urbana do Idec; Annie Oviedo, analista de Mobilidade Urbana do Idec; Clareana Cunha, mobilizadora do Minha Sampa; Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade Urbana do Idec

No dia 9 de abril de 2024, a cidade de São Paulo acordou com a notícia da prisão de dirigentes de duas empresas de ônibus que operam na capital, a Transwolff, na Zona Sul, e a UPBus, na Zona Leste. A suspeita é de lavagem de dinheiro e envolvimento com o PCC. 

A situação não surpreende, pois há décadas se ouve falar sobre a caixa-preta dos transportes e cartéis no setor, não só em São Paulo, Brasil afora. Assim, é importante pensar o que permite e perpetua situações como essa. Para essa questão temos três respostas principais: falta de transparência, modelo equivocado de remuneração das empresas e negligência e letargia da Prefeitura em fazer o seu papel, que é trabalhar pelo interesse público.

Em 2014, após as manifestações de junho de 2013 e diante dos frequentes aumentos de tarifa, a Câmara Municipal realizou uma CPI, evidenciando a total falta de controle da Prefeitura sobre a planilha de custos das empresas de ônibus. Na época, mesmo diante das complexas tabelas fornecidas pelas empresas, que não esclareciam as despesas de operação e o que estava sendo pago com o subsídio da Prefeitura, as investigações apontaram um sobrepreço de 18% no sistema. A constatação orientou uma mudança, que há muito vinha sendo reivindicada pela sociedade: deixar de remunerar as empresas por passageiro transportado e passar a fazê-lo com base nos gastos de operação. 

Hoje, o contrato com as empresas já prevê a transição para uma fórmula de remuneração vinculada a custo, que deveria ter começado a valer em 2023. No entanto, a Prefeitura adiou esse prazo para 2025. 

Mas por que a remuneração por passageiro não é adequada? Porque passageiro não é despesa. Não importa se o veículo está carregando uma ou 100 pessoas, o que determina o gasto que a empresa tem é o salário do motorista e do cobrador, o combustível, a manutenção das partes do ônibus, etc., e quantos veículos estão rodando no sistema para atender à necessidade de mobilidade da população. 

Na lógica de remuneração por passageiro, as empresas aproveitam para precarizar o serviço e aumentar sua taxa de lucro. Isso é feito, por exemplo, por meio da retirada de veículos de circulação e redução da mão de obra, promovendo a tão conhecida lotação e espera nos pontos de ônibus etc. Ou seja, elas reduzem aqueles itens que de fato impactam no custo do sistema! Essa falta de relação entre quanto se gasta para operar o serviço e o que os empresários ganham por passageiro, é um dos fatores que abre espaço para o mal uso do dinheiro público, como identificado na atual investigação policial. 

Como mencionado, a solução para o problema já está prevista no atual contrato entre as empresas e a Prefeitura, basta fazer valer. Em vez de pagar por cada passageiro transportado, passaremos a pagar com base nas despesas e na qualidade do serviço oferecido, critérios que de fato impactam no custo do sistema. Esse método incentivará a melhoria do transporte público porque, além de ser mais simples e transparente, quanto mais a concessionária entregar em termos de qualidade e quantidade viagens, mais ela vai ganhar. Por outro lado, se não cumprir os critérios estabelecidos, ela também não recebe.

Essa mudança é urgente. Ela não só reduz drasticamente a possibilidade de irregularidades como as que estamos vendo - porque facilita a transparência e dá sentido ao uso do dinheiro público - como garante um serviço de transporte muito melhor para a população, um direito fundamental, que já passou da hora de ser respeitado.
 

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