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A crise da água é política

<div> Obras e sobretaxas propostas pelo governo do Estado de S&atilde;o Paulo n&atilde;o garantem seguran&ccedil;a h&iacute;drica para a estiagem de 2015</div> <div> &nbsp;</div>

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Atualizado: 

23/12/2014
Os níveis dos sistemas Cantareira e Alto Tietê, que abastecem milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo, continuam caindo diariamente. As previsões meteorológicas, que há meses indicavam chuvas abaixo da média em novembro e dezembro, foram confirmadas. Não há indícios de que as chuvas de verão sejam capazes de recuperar as fontes de água e o pior cenário para o abastecimento de água em São Paulo pode se consolidar no próximo ano.
 
Com a conclusão do processo eleitoral, esperava-se que, finalmente, o governo do Estado, principal responsável pela gestão hídrica, decretasse situação de crise e somasse esforços com prefeituras e governo federal para elaborar um amplo plano de contingência a fim de garantir um nível seguro dos reservatórios para enfrentar o período de estiagem em 2015.
 
Porém, até agora, o risco iminente de falta de água nas torneiras tem servido apenas para justificar medidas controversas, que oneram o consumidor, não resolvem as origens da crise nem apresentam qualquer resultado prático no curto prazo. Ou seja, o governo estadual não assume o estado de emergência para evitar o custo político da falta d’água, mas usa a estiagem como justificativa para sobretaxar consumidores e investir em obras bilionárias, que alimentam a indústria da seca mas não recuperam os mananciais.
 
Um exemplo claro foi o anúncio realizado dia 18 de dezembro pelo governo estadual. A partir de 1/01/15, os consumidores que elevarem seu consumo de água acima de 20% em relação à média entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 terão acréscimo de 20% no valor da conta; aqueles com consumo superior a tais índices pagarão 50% a mais em suas contas. Tal sobretaxa foi classificada como “tarifa de contingência”, não multa – um reconhecimento do atual estado de exceção do sistema de abastecimento de água de São Paulo.
 
Mas o reconhecimento não veio de forma oficial. O governo se exime dessa simples tarefa de declarar a situação de emergência, remetendo-se a comunicados de março e abril, quando DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo) e ANA (Agência Nacional de Águas) tratam de redução da vazão do Sistema Cantareira, atividade, aliás, trivial a dois órgãos que gerem uma bacia federal em tempos de crise. Além disso, os comunicados do DAEE e ANA tratam de um dos sistemas de abastecimentos, o Cantareira, de modo que uma medida tarifária contingencial para todos os consumidores abastecidos pela Sabesp não pode repousar em comunicado de um órgão cuja competência se estende apenas a bacias federais. Porque a RMSP é abastecida também por outros sistemas nos quais ANA não tem qualquer competência. Assim, juridicamente, DAEE e Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos devem se pronunciar específica e formalmente sobre a situação de emergência em todos os sistemas de produção e declará-la publicamente para toda a sociedade. 
 
Outra inconsistência é que os comunicados a que se refere o governo datam de março e abril, o que imediatamente traz a questão: se essa situação estava desenhada nos comunicados desta data, por que o governo não decretou a emergência na ocasião?
 
O governo do Estado de São Paulo tem deixado de agir quando precisa e tem feito interpretações equivocadas da lei e do seu papel. 
 
Agora – e somente agora!! –, assombrado pelo colapso total do abastecimento, o governo quer passar uma deliberação da Arsesp em 29/12, ao arrepio da lei, sem sequer ouvir a sociedade, o que seria resolvido com a colocação da tarifa de contingência em consulta pública (não audiência pública).
 
Embora iniciativas para conter a demanda sejam recomendadas, é politicamente injusto, desproporcional e incorreto que a Arsesp aprove uma medida desta natureza sem ouvir ninguém. 
 
Como já dito, além de violar a Lei Federal de Saneamento (11.445/2007, arts. 23 e 46), a medida tomada desse modo também infringe o Código de Defesa do Consumidor, pois tal alteração na tarifa, não sendo declarada extraordinária, se torna injustificada e abusiva (artigo 39 X).
 
A Aliança pela Água, rede com mais de 40 entidades da sociedade civil, que se reuniu para monitorar e apresentar propostas para a crise hídrica em São Paulo, alertou, em comunicado divulgado em novembro passado, que a decisão de driblar a crise com obras de grande porte significa, na prática, perder o timing e a oportunidade de desenvolver amplos esforços de educação para redução do consumo e reuso de água, de empreender um mutirão para diminuir os mais de 30% de perdas do sistema Sabesp, rever os contratos de demanda firme e abrir a caixa-preta da gestão hídrica no Estado, promovendo transparência e o engajamento da sociedade civil.
 
Infelizmente, o governo do Estado deixa claro que não existe interesse em diálogo quando tal sobretaxa será discutida no apagar das luzes de 2014, em apenas uma audiência pública, agendada para o dia 29/12, com vigência prevista para o dia 1° de janeiro. 
 
Não é só água que falta. Faltam diálogo, informação, campanhas educativas, soma de esforços e razoabilidade.
 
Mais do que a falta de chuvas, é a irresponsabilidade na gestão política dessa crise que pode levar o sistema de abastecimento de água de mais de 6 milhões de pessoas ao colapso já no primeiro semestre de 2015.  
 
Elici Bueno, coordenadora-executiva do Idec
Carlos Thadeu C. de Oliveira, gerente técnico do Idec
Claudia Pontes Almeida, advogada do Idec
Renata Amaral, pesquisadora do Idec
 
O Idec é membro da Aliança pela Água (aguasp.com.br)
 
 

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