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Em entrevista ao Idec, Michael Hansen fala de segurança alimentar

<p> <em>O especialista em biotecnologia comentou a rotulagem dos alimentos geneticamente modificados e o uso de agrot&oacute;xicos</em></p>

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Atualizado: 

02/08/2011

De passagem pelo Brasil para a conferência realizada pelo Idec e Cremesp na última semana de abril, Michael Hansen, especialista em biotecnologia e um dos principais cientistas da Consumers Union, maior organização de consumidores dos Estados Unidos, concedeu entrevista ao site do Idec. 

Durante a conversa, ele tratou de assuntos como a rotulagem de transgênicos, o uso de agrotóxicos nos EUA e a relação de pandemias com criação intensiva de animais. 

A discussão se faz importante num contexto em que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e que milho e a soja transgênicos já começam a chegar à mesa do consumidor brasileiro, mesmo com dúvidas a respeito da segurança da modificação genética dos alimentos. 

Na enquete realizada no site do Idec de 22 de abril a 6 de maio, por exemplo, 52,6% dos internautas se disseram pouco esclarecidos em relação aos alimentos que contêm transgênicos, mas se preocupam com o assunto e outros 26% dizem fazer restrições ao seu consumo.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. 

Idec: Você vai a uma reunião no Canadá, do Codex Alimentarius [fórum da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação e da Organização Mundial da Saúde, cujas normas têm como finalidade proteger a saúde da população]. Como está a discussão sobre rotulagem de transgênicos no resto do mundo? 

Michael Hansen: Basicamente, o que tem ocorrido é que, desde que o primeiro documento foi criado pelo Codex sobre rotulagem há 15 anos, os Estados Unidos e os aliados tentam dividir o documento em dois, o que significa ter a rotulagem que diz respeito à segurança - com a qual todo mundo concorda - e a rotulagem sobre o método de produção, que é considerada rotulagem obrigatória. O que eles planejam fazer era dividir esses dois documentos, para que a parte relativa à segurança pudesse progredir rapidamente, enquanto a outra não chegasse a um acordo e acabasse sendo esquecida. Eles [EUA] estão tentando tirar o assunto da pauta, só querem não ter nenhum andamento neste ano e no ano que vem, e aí acabou a discussão. 
Quando olhamos a posição estratégica dos Estados Unidos hoje, é a mesma que o presidente Bush teve e a administração do governo Obama não está dando a devida atenção a essa área. Do lado da FDA [Food and Drug Administration - órgão regulador de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos] está Michael Taylor (que foi advogado da empresa Monsanto e depois se tornou vice-presidente da companhia - e foi convidado para o time de transição do presidente Obama), que agora é o cabeça da segurança alimentar.
Uma coisa positiva que eu posso dizer para o Brasil é quanto ao compromisso que o país propôs ano passado, quando tomou a linguagem americana e adicionou uma frase que basicamente dizia que os países podem decidir por si mesmos. Os Estados Unidos, claro, não apoiaram o compromisso brasileiro, mas o Brasil está sendo apoiado por todos os outros, pela União Europeia. Pela primeira vez a Austrália também, que sempre ficava do lado dos Estados Unidos, está apoiando a opção brasileira. A Austrália disse que, se é para haver discussão sobre essa questão, nós vamos apoiar a opção brasileira. Recentemente, Quênia e Mali também apoiaram o Brasil. Até mesmo os países que estavam do lado dos Estados Unidos, como Colômbia e Costa Rica, disseram ser importante considerar o compromisso lançado pelo Brasil. O Canadá não disse nada e nós não sabemos qual é a posição deles. Nós escrevemos uma carta para o USDA [Departamento de Agricultura dos Estados Unidos] falando sobre essa posição ruim que o país tomou e sobre como as coisas devem mudar. Nós esperamos que na semana que vem, no encontro do Canadá, os Estados Unidos tenham decidido tomar uma posição diferente. Mas, se isso não ocorrer, eles não vão conseguir tirar o assunto de discussão este ano, apesar de eles não quererem nenhuma menção ao assunto.

Idec: Do ano passado para cá, surgiu algum estudo que traga mais evidências do risco à saúde que os transgênicos oferecem?

MH: Há diversos estudos e acho que um dos mais importantes foi divulgado em novembro do ano passado: o biólogo molecular Gilles-Eric Séralini e sua equipe de pesquisadores franceses pegaram todos os dados referentes às variedades de milho transgênico MON 863, NK 603 e MON 810 (as duas últimas estão aprovadas no Brasil, bem como a semente resultante de seu cruzamento) e analisaram os dados comparando os efeitos das variedades sobre a saúde de mamíferos, mostrando que há problemas para a saúde com o consumo desse grão geneticamente modificado. Parece que eles encontraram diferentes reações no organismo das cobaias, mas basicamente todas tiveram efeitos colaterais novos que foram diferentes pra cada caso (variando com relação ao sexo da cobaia, por exemplo), principalmente no fígado e nos rins. O que impacta é que esses sinais mostram que a prática realmente não é segura e que os testes mostrados pelas companhias que usam transgênicos não são seguros. 
Há também uma nova sociedade científica na União Europeia e haverá uma carta que muitos cientistas devem assinar, que trata da posição adotada pelos Estados Unidos. Tanto cientistas que não têm problemas com relação a transgênicos, quanto os que estão trabalhando e mostrando que trabalhar com organismos geneticamente modificados pode ter consequências... Qualquer cientista, atualmente, pode fazer um bom trabalho e encontrar perguntas novas para trabalhar a questão dos transgênicos à saúde da população.

Idec: Qual é a opinião dos consumidores em outras partes do mundo sobre os alimentos geneticamente modificados? No Brasil, tivemos um estudo que mostrou que grande parte da população rejeita os transgênicos. Isso também ocorre em outros países?

MH: Nos Estados Unidos, em estudos sobre o entendimento da população sobre as informações disponíveis na rotulagem, 90% das pessoas disseram que evitam os transgênicos quando sabem que isso é possível. Mas também tivemos 40% ou 50% que disseram ser impossível evitar os transgênicos. Eu sei que na China, por exemplo, as pesquisas têm mostrado a mesma situação. Os consumidores chineses escolhem menos os alimentos geneticamente modificados do que os orgânicos e os alimentos convencionais - quando têm essa opção. Em outros países, também está aumentando a rotulagem de transgênicos (no Brasil alguns produtos já possuem o sinal amarelo que alerta para a presença de organismos geneticamente modificados). Então, eu acho que a situação está melhorando em quase todos os cantos do mundo. Nós vemos a Malásia fazendo e respondendo à rotulagem, outros países da mesma maneira. Mas eu sei que os Estados Unidos podem pressionar os países africanos para adotarem sua posição, o que eles têm tentado fazer nos últimos anos.

Idec: O Brasil já é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Soja e milho juntos consomem 62% do total utilizado. Com o avanço das sementes transgênicas nessas culturas, a tendência é aumentar o uso dos defensivos agrícolas?

MH: Um estudo nos Estados Unidos [que é o segundo no mundo em consumo de agrotóxicos] mostrou que quando cientistas tentaram criar sapos na água poluída pelos pesticidas os animais apresentaram problemas de saúde, não produziam ovos. Já foi provado também, por exemplo, que fazendeiros que foram expostos a agrotóxicos como o Roundup foram associados a problemas de saúde como a redução de fertilidade e mesmo com a dificuldade de engravidar ou o maior risco de gerar bebês com algum defeito genético. No ano passado, alguns cientistas publicaram outro estudo em que eles avaliaram diversos casos e grupos-controle e encontraram um quadro clássico: com incremento inclusive da chance de desenvolvimento de cânceres em populações expostas a agrotóxicos, por exemplo. Há ainda outras informações encontradas recentemente que provam a interferência desses químicos no organismo, ligando a exposição a eles ao risco de desenvolvimento de linfomas e leucemias. Mais e mais pessoas têm sido diagnosticadas com câncer - tem aumentado o número de pessoas com leucemia e outros desses tipos de câncer - e a razão para isso está relacionada aos pesticidas (não em todos os casos, claro). Mas tudo que ouvimos é "oh, vamos reduzir os pesticidas", mas eles não reduzem. Entre 1995 e 2004 eles usaram, nos Estados Unidos, 60 milhões de quilogramas. De 2005 a 2009, foram outras centenas de milhões de quilogramas de agrotóxicos. Quero ver o que vai acontecer este ano. Para os consumidores, a solução é ficar longe desses detestáveis pesticidas - sempre que existir a possibilidade de escolha. Ficar longe do óleo de soja ou da soja em si pode até soar bem, mas a exposição está em muito mais coisas: na água, na comida que comemos diariamente, em muitas coisas. É um custo social.

Idec: Existe alguma relação entre pandemias como a do vírus da gripe A (H1N1) e a produção intensiva de alimentos? Qual é?

MH: Algumas pessoas têm dito que a criação intensiva de frangos para alimentação é, na verdade, benéfica, porque os frangos criados nesse sistema têm menos chance de ficarem doentes - e por isso faria sentido manter animais em condições como essas. O único problema que eu preciso colocar e enfatizar é que a gripe é bem mais comum e apareceu em maior grau exatamente nesses sistemas intensivos de criação de animais. Além disso, manter os animais nesse sistema intensivo de criação deixa-os espremidos e todos ficam juntos, o que os estressa muito e, por isso, diminui as resistências do sistema imunológico - e quando o nível de estresse aumenta, as chances de ter doenças são incrementadas também, todos sabemos disso. Essas são as relações que podemos ver atualmente entre o sistema imunológico e a criação intensiva de animais.

 

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