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BIODEGRADÁVEL SÓ NO RÓTULO

BIODEGRADÁVEL SÓ NO RÓTULO

Estudo do Idec revela que produtos plásticos vendidos como biodegradáveis, mais caros do que os convencionais, na verdade não se decompõem no meio ambiente como o nome sugere.

Relatório encomendado pelo Idec mostra que produtos plásticos vendidos como biodegradáveis, na verdade não se decompõem no meio ambiente.

O texto é claro: “Nenhum dos produtos que alegaram biodegradabilidade eram, de fato, biodegradáveis, uma vez que as normas que atestam tal condição não a garantem verdadeiramente”. O parágrafo está na conclusão de um relatório encomendado pelo Idec ao professor Ítalo Braga de Castro, do Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O trabalho analisou rotulagens de utensílios plásticos de uso único (UPUU) e demonstrou que, além do meio ambiente, o consumidor também é diretamente afetado por uma prática conhecida como greenwashing.

O levantamento é derivado de um artigo científico de Beatriz Moreno, aluna de Castro no doutorado da Unifesp, publicado no periódico Sustainable Production and Consumption. A investigação, feita em 2022, analisou o rótulo de copos, canudos, pratos, talheres e embalagens de plástico que se denominavam biodegradáveis. Foram encontrados 49 itens em grandes redes de supermercados de São Paulo (SP); Santos e Peruíbe, no litoral paulista; e Rio de Janeiro (RJ).

As informações coletadas foram cuidadosamente estudadas, considerando alegações ambientais, selo, composição, preços e normas técnicas. E os pesquisadores concluíram que os plásticos continham aditivos que causavam o mesmo efeito que o plástico comum, composto de substâncias oxidegradantes. Ou seja, sua decomposição não é mais rápida nem acontece de forma natural, impactando o planeta. Para Castro, o resultado é bastante grave. “Muitas empresas colocam no mercado produtos que oferecem um benefício, mas esse benefício não é entregue ao consumidor”, ele alerta. O relatório também destacou que os produtos que se autodenominam biodegradáveis são, em média, 125% mais caros.

Os resultados chamaram a atenção do Idec, que decidiu se debruçar sobre o tema. Julia Catão Dias, especialista do programa de Consumo Sustentável do Idec explica que, no atual cenário de colapsos climático e ambiental cada dia mais perceptíveis, a busca por alternativas de produção e consumo menos impactantes ao meio ambiente são uma necessidade. “É surpreendente descobrir que produtos que você acredita que vão causar menos impacto nas cadeias produtivas, pa- ra as pessoas e para o meio ambiente, na verdade não vão”, ela afirma.

BIODEGRADÁVEIS, UM CASO DE GREENWASHING?

Bio vem do grego vida e degradável origina-se do verbo degradar, que é sinônimo de deteriorar. Portanto, um produto biodegradável é aquele composto de materiais que podem ser transformados de forma natural. Ou seja, que se desintegram no ambiente gerando substâncias que não causam danos significativos ou poluição.

O plástico comum é derivado do petróleo e se tornou um produto muito importante no mundo todo, por sua maleabilidade, baixo custo e versatilidade. Em todo o planeta, são produzidos cerca de 400 milhões de toneladas de plástico por ano. Porém, os impactos ambientais, por conta da dificuldade de decomposição, forçaram as indústrias a procurarem formas mais sustentáveis de produção. E isso, de fato, vem ocorrendo. Só que os custos são altos. “É exatamente por isso que não houve, até o momento, uma substituição maciça dos utensílios feitos de plásticos tradicionais por biodegradáveis reais”, justifica Castro.

Mas apesar do preço elevado, há um grande mercado consumidor de produtos ambientalmente conscientes. Gente que topa pagar mais em nome dos benefícios ambientais. Uma pesquisa feita em março de 2023 pela Opinion Box, a pedido do iFood, revelou que 56% dos consumidores têm preferência por restaurantes que usam embalagens sustentáveis. E mais: 60% dos entrevistados afirmaram que pagariam 2 reais a mais para receber seus pedidos nesse tipo de recipiente. Por essa razão, empresas dos mais diversos segmentos trabalham para criar uma imagem mais “verde”, já que o nicho é promissor. Diante desse quadro, surgiu o chamado greenwashing, que pode ser traduzido como lavagem verde ou maquiagem verde. É uma estratégia adotada por algumas companhias, de vários setores, para promover a sustentabilidade de seus produtos. O problema é que muitas vezes isso ocorre por meio de informações falsas, a famosa propaganda enganosa. A engenheira Lília Leite, de Curitiba (PR), conta que, quando cabe no bolso, vai atrás dos produtos biodegradáveis. Porém, ficou decepcionada ao saber do resultado da pesquisa do Idec. “Acho bem triste, e é claro que me sinto enganada. Mas não vou deixar de procurar opções melhores”, pondera.

No Brasil, no setor de plásticos, determinar quando ocorre o greenwashing é uma tarefa complexa, porque, por aqui, não há uma lei que proíba a venda de plásticos oxidegradáveis, aqueles que não têm nenhum tratamento especial e são um grande vilão ambiental. O que acontece é que, de forma geral, as indústrias utilizam como parâmetros certificações internacionais, como a Organização Internacional de Padronização (ISO) e a Sociedade Americana de Testes e Materiais (ASTM). Só que essas próprias organizações dizem que essas certificações não servem como parâmetro porque as avaliações são feitas sob condições controladas de laboratório, não nas condições reais do meio ambiente. Diante desse quadro, a especialista do Idec explica porque é tão difícil apontar greenwashing no caso dos utensílios de plástico de uso único: “As empresas dizem: ‘existe essa certificação e ela diz que meu produto é biodegradável. Então, eu estou resguardado por isso’”.

Procuramos a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) que, por meio de nota, informou que não apoia a utilização de aditivos oxidegradantes em produtos plásticos e afirmou que é fundamental ressaltar que, por exemplo, a fabricação de embalagens alimentícias para acondicionar alimentos ou bebidas possuem regulações e normas específicas publicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), as quais devem ser seguidas pelas empresas do setor.

IDEC EM AÇÃO

O Idec está trabalhando pela proibição dos plásticos oxidegradáveis no Brasil. Na prática, isso se dá pelo apoio ao Projeto de Lei (PL) nº 2.524/2022, em tramitação no Congresso Nacional.

Numa outra linha de frente, o Instituto direciona esforços para a luta contra o greenwashing. A meta é se concentrar em legislações e possibilidades de combate a essa prática. “Além disso, estamos avaliando a elaboração de uma norma técnica pelo órgão regulatório competente, que ateste a biodegradabilidade de plásticos de uso único considerando as condições naturais reais”, informa Dias. E finaliza: “Nós, do Idec, vamos seguir firmes nessa luta. Ainda que não seja uma batalha fácil, estamos estudando os melhores caminhos para propor soluções. É pelo consumidor e contra as crises climática, de poluição e de biodiversidade”.